google.com, pub-8049697581559549, DIRECT, f08c47fec0942fa0 HORTA E FLORES: Ardume, picância, pungência das Pimentas

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Ardume, picância, pungência das Pimentas

 

Ardume, picância, pungência

“Que me perdoem os apreciadores das pimentas ‘de-cheiro’, mas pimenta para ser boa tem de arder” – ou queimar, assim costumam dizer os amantes das pimentas e dos molhos picantes.

E quem nunca ouviu a história das baianas vendendo acarajés mais ou menos “quentes”?

Mas por que as pimentas ardem e por que umas ardem mais que outras?

A resposta é que as pimentas ardem porque contêm capsaicinóides, que são alcalóides com estruturas químicas ligeiramente distintas entre si, mas curiosamente similares à da vanilina, substância que dá sabor à baunilha.

Dentre os capsaicinóides, o componente mais importante é a capsaicina (cerca de 70%), seguida da dihidrocapsaicina (cerca de 20%) e de outros componentes menores: nordihidrocapsaicina, homocapsaiciana e homodihidrocapsaicina.

A capsaicina (Figura 1), além de ser o mais abundante dos capsaicinóides, é o componente mais picante. Como os outros membros do grupo, ela se acumula na placenta, ou seja, a parte do fruto onde as sementes se inserem (Figura 2).

Figura 1 – Fórmula química da capsaicina.

Figura 2. A capsaicina se concentra na placenta do fruto.

cérebro então reage, fazendo com que sejam produzidas endorfinas (compostos similares à morfina), que têm a função de eliminar a dor e, também, provocar sensação de euforia. Daí dizer-se que as pessoas se viciam em comer pimenta.

Outras respostas do organismo humano a doses maiores de pimentas ardidas são: aceleração dos batimentos cardíacos para aumentar o metabolismo, aumento da sudorese para reduzir a temperatura corporal e aumento da salivação para refrescar a boca. Ainda são observados escorrimento nasal e aumento da velocidade do trato intestinal em decorrência do consumo de pimenta picante.

Para aplacar o ardor da pimenta ingerida, é comum a pessoa querer beber água. Essa não é uma boa idéia, pois a capsaicina é pouco solúvel em água.

Mas é muito solúvel em óleo e álcool, daí o fato de pimentas em molho de azeite e de álcool (ou cachaça) serem bem mais picantes. Em vez de água, recomenda se beber leite ou tomar sorvete, que contêm, além de óleo, alto teor de caseína, substância que envolve a molécula de capsaicina, facilitando a sua eliminação, da mesma maneira que os detergentes envolvem moléculas de gordura.

Mas é paradoxal que a capacidade de a capsaicina provocar a dor seja usada para a cura de artrite e de algumas outras dores crônicas. Vários medicamentos à base de capsaicina podem ser encontrados em farmácias. Isso se deve ao fato de que a sua exposição a tecidos menos sensíveis diminui a sensibilidade à dor.

Outro uso comercial da capsaicina é na fabricação de “pepper sprays”, que são preparados com composto concentrado desse alcalóide e usados pela polícia ou para defesa pessoal em alguns países. Embora jatos de “sprays” de pimentas causem bastante desconforto, chegando a ser até paralisantes por vários minutos, não deixam seqüelas.

É interessante lembrar que a capsaicina só é produzida por pimentas do gênero Capsicum. A substância picante da pimenta-do-reino, por exemplo, é bem diferente e age de forma distinta no organismo; é chamada de piperina, nome advindo do gênero Piper, ao qual pertence a pimenta-do-reino.

A concentração de capsaicina nos frutos de pimenta é que determina a sua pungência (ou ardência ou ardume).

Esta concentração é medida por um teste chamado Teste Organoléptico Scoville (Scoville Organoleptic Test), em homenagem ao farmacêutico americano Wilbur Scoville (Figura 3), que o desenvolveu em 1912. Originalmente, este teste se baseou em macerar os frutos de pimenta e misturar em água com açúcar.

Diluições eram então ministradas a degustadores que indicavam a maior diluição em que o ardume era percebido, dando a esta diluição valor em unidades ou em Unidades de Calor Scoville (SHU – do inglês Scoville Heat Unit).

Assim, quanto mais diluída a amostra em que o ardume era percebido, maior a pungência do material. Atualmente esse teste degustativo já não é usado e foi substituído por técnicas mais modernas e simples, como pelo uso de HPLC (cromatografia líquida de alta precisão). Em homenagem ao seu idealizador, entretanto, o nome do teste foi mantido.

Figura 3. Wilbur Scoville. (Reprodução autorizada pelo Scoville Food Institute.)

Figura 4. “Termômetro” do ardume de pímentas brasileiras.


Existem publicadas várias tabelas em que valores de Unidades Scoville são relacionados com diferentes tipos de pimentas.

Entretanto, esses valores devem ser analisados com cautela, pois podem variar em função: 1) de linhagem varietal, clima e solo; 2) de os testes organolépticos, como o SHU, serem pouco precisos, com variações de 50% na mesma amostra; 3) de o teste de HPLC não gerar resultados em Unidades Scoville, mas em unidades de pungência ASTA (American Spice Trade Association), e 4) de a conversão do HLPC em SHU ser imprecisa.

Embora nem tão precisas, as tabelas são interessantes, pois permitem perceber a grande variação de pungência entre as pimentas. Por exemplo, os pimentões e a pimenta-biquinho não apresentam nenhuma pungência, e, por isso, têm valor 0 (zero) SHU. Por outro lado, as pimentas do grupo habanero podem atingir valores acima de 300.000 SHU, e a brasileira malagueta, acima de 200.000 SHU (Figura 4).

No livro dos recordes Guinness consta que a pimenta mais picante do mundo é uma do grupo habanero, a ‘Red Savina Habanero’, com 577.000 SHU, encontrada nos EUA em 1994. Mais recentemente, entretanto, foram relatadas, na Índia, as pimentas ‘Naga Jolokia’,com 855.000 SHU, e a ‘Dorset Naga’, com 923.000 SHU. Esses altos valores, entretanto, necessitam de confirmação.

Gera curiosidade o fato de alguns pássaros se alimentarem de pimentas bastante picantes, como a cumariverdadeira, também conhecida como pimenta-passarinho. De fato isso ocorre porque os pássaros não possuem as células receptoras de capsaicina, sendo, portanto, insensíveis a ela; esta é uma das grandes diferenças entre organismos de aves e mamíferos. A insensibilidade dos pássaros à capsaicina, mais um dos segredos da natureza, faz deles importantes dispersores das sementes das pimentas.

Usos pouco ortodoxos e também curiosos da capsaicina, a serem acrescentados aos usos mais nobres da pimenta, são: pó de pimenta adicionado a sementes para alimentação de aves, para prevenir que esquilos delas se alimentem; gel de pimenta nos fios de sutura veterinária, para evitar que animais submetidosa cirurgias removam os pontos cirúrgicos com os dentes; e gel de pimenta nos fios de telefone, para evitar que sejam roídos por cães, gatos e ratos.


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